Na deficiência visual, uma oportunidade para servir

Por José Antonio Spotti Lopes, do Rotary Club de São José do Rio Preto Novo Cinquentenário

Ano novo começando e a gente sempre aproveita para fazer uma análise de tudo que passamos. Fiquei muito contente com o convite de poder compartilhar um pouco da minha vida e, quem sabe, humildemente inspirá-los nesse novo ano. Posso dizer que nesta última década um furacão passou pela minha vida, deixando marcas, aprendizados e novas realidades.

Jose Lopes_Jan. 18-2020

José Antonio Spotti Lopes

Nasci e finquei minhas raízes em São José do Rio Preto, interior do estado de São Paulo, sendo filho de advogado e de professora, e o segundo de quatro irmãos. Os problemas de visão sempre me acompanharam, já que desde bebê possuo uma anomalia rara chamada aneridia congênita em ambos os olhos que ocasiona uma má formação da íris, gerando problemas como glaucoma, catarata e outros. Portanto, desde pequeno tive que vencer muitos obstáculos. Mas, a vontade de ser e fazer mais sempre me motivaram a seguir em frente.

Aos 29 anos de idade, formado em engenharia civil, casado e com uma filha pequena, vivenciei uma grande tormenta. Um acidente de trânsito, seguido por cirurgias malsucedidas, me fez perder a visão do olho esquerdo. O desafio então passou a ser bem maior, tanto no âmbito pessoal, como profissional. Assim como Jorge Aragão diz na canção, levantei, sacudi a poeira e dei a volta por cima!

Grande parte dessa força e ânimo veio dos exemplos que tive ao longo da vida, e o Rotary com certeza é parte disso. Minha família sempre participou da comunidade rotária. Em 1986, me associei ao Rotary Club de São José do Rio Preto Novo Cinquentenário e aos 33 anos tive a felicidade de ser presidente do clube. Ter essa vivência me capacitou a liderar, a persistir, a atingir minhas   metas, a observar a comunidade ao meu redor, sair da minha zona de conforto e descobrir a satisfação simples, mas profunda que uma ação positiva pode causar.

Lopes e esposa_Jan. 18-2020

José Antônio e sua esposa, a bióloga Maria Luisa

Aos 54 anos, uma nova tempestade me atingiu em cheio. O glaucoma não podia mais ser controlado, as cirurgias pareciam não adiantar e, gradualmente, meu único olho funcional se esvaiu e passei a enxergar apenas luzes e vultos. A vida então me apresentou um novo desafio: ser deficiente visual. Depois disso, praticamente tudo mudou. É importante dizer que essa mudança não foi superficial ou afetou apenas a mim, mas se trata de algo complexo que envolve todos ao meu redor – até mesmo você que, ao ler minha história, poderá se inspirar e reagir de alguma forma.

Esta nova realidade me proporcionou uma nova visão do mundo. Descobri que, por mais que eu soubesse que esta situação um dia poderia me atingir, ninguém está preparado para isso. Aposentei-me, mas pela índole inquieta e sociável, queria continuar sendo útil e participativo. Passei a me dedicar ainda mais às atividades do meu clube e a conhecer novos círculos locais, como o Instituto de Cegos trabalhadores em São José do Rio Preto, um centro de reabilitação visual onde passei a frequentar aulas de acessibilidade, braile, informática adaptada, terapia ocupacional, entre outros cursos. Foi então que entendi minha nova realidade é a realidade de 39 milhões de pessoas ao redor do mundo. Mas diferente de mim, que sempre fui um apaixonado por tecnologia, grande parte destas pessoas não tem acesso às ferramentas que proporcionam uma maior independência. A transição para usar a acessibilidade foi uma das questões mais fáceis da minha adaptação, consigo me manter informado sobre o que acontece no mundo, me comunicar e viver normalmente na sociedade, sem ser excluído.

Instituto Cegos_Jan. 18-2020

Instituto dos Cegos

Passados dois anos, em 2015, uma vontade latente ganhou forma em um projeto sustentável do nosso clube chamado Tecnologia Assistiva, que, com ajuda de um Subsídio Global, implementou um laboratório de transformação digital no instituto. Isso facilitou a capacitação e adaptação dos alunos e profissionais, desenvolvendo assim mais oportunidades de aprendizado e inclusão no mercado de trabalho. Desde o início, conquistamos resultados relevantes que transformam a vida dos participantes.  Eu e meus companheiros rotarianos continuamos acompanhando e continuamente interagindo com o projeto.

estudantes cegos

Muito importante mencionar que este projeto se tornou viável graças a somatório de esforços e recursos do meu clube, dos Distritos 4480 e 5340, através do Rotary Club de Escondido Sunrise, nos Estados Unidos, e do patrocínio da Fundação Rotária do Rotary Internacional.

Olhando para trás, sinto-me bem-sucedido depois de 30 e tantos anos na engenharia, no Rotary e na vida pessoal. Sou ainda mais completo por ter participado de muitos projetos que, ao longo desses anos, ajudaram as comunidades locais e desenvolveram ainda mais a minha esperança, fé e força para nunca desanimar e seguir vencendo desafios. Afinal de contas, como diz Vladmi Virgílio dos Santos, ultramaratonista brasileiro deficiente visual e recordista mundial: “visão não é uma questão de ter olhos, mas de saber enxergar frente às dificuldades que a vida nos apresenta, as oportunidades que ela também nos oferece.”

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