Entrevista com o CEO da Biontech, o rotariano Ugur Sahin
A entrevista original foi conduzida por Björn Lange, editor-chefe da Revista Rotary para Alemanha e Áustria, e publicada em 1 de agosto de 2021 no site rotary.de.
Detalhes pessoais:
Ugur Sahin (associado do Rotary Club de Mainz 50° North) é um pesquisador em oncologia, imunologista e, como fundador e CEO da Biontech SE, um dos principais desenvolvedores do mundo de vacinas contra a Covid-19.
Ugur Sahin não é um homem dado a grandes gestos e palavras vazias; o que conta para ele é a ciência. Junto a sua esposa Türeci e a Christoph Huber, ele fundou a empresa Biontech em Mainz em 2008. Em 9 de novembro de 2020, a notícia que todos estavam esperando se espalhou pelo mundo: uma vacina efetiva havia sido encontrada. A Biontech vem vacinando desde dezembro e, desde o final de março deste ano, com os resultados visíveis da vacinação, as ações da Biontech SE vêm disparando.

Qual é o maior desafio em entregar uma vacina para crianças e adolescentes?
A vacina é a mesma que para os adultos, mas precisa ser dada em doses diferentes. Os adultos recebem 30 microgramas de nossa vacina, crianças jovens recebem cerca de 3 microgramas. Uma dose de adulto poderia ser usada para vacinar dez crianças se necessário. A quantidade da vacina não é a limitação. Ainda leva um tempo para fazer um progresso suficiente no desenvolvimento clínico, geração de dados, testagem, e o processo regulatório. Já submetemos dados para adolescentes de 12 a 15 anos de idade, e os resultados dos estudos para seis a onze anos de idade estarão disponíveis provavelmente em setembro. Mas isso não significa que podemos começar imediatamente, porque primeiro as autoridades têm que analisar os dados e decidir se aprovam o produto.
E depois há as pessoas mais idosas que foram vacinadas primeiro no final do ano passado e agora precisam de um reforço. Recentemente, foi divulgado que aqueles vacinados com a vacina da Biontech não precisariam de reforço.
Essa notícia foi um tanto incorreta. Houve uma publicação na (revista cientifica) Nature que apontou que certas células imunes são formadas e ficam em nós por toda a vida. A partir daí, deduziram que a vacinação dura uma vida inteira. Estas células imunes garantem que quando a pessoa é revacinada, o corpo muito rapidamente desenvolve uma reposta de memória imune. Então, o corpo sabe como responder porque já fez isso antes. Temos dados que mostram que a proteção da vacina diminui com o tempo, então, você se torna mais suscetível à infecção novamente. Assim, vacinações de reforço poderiam fazer sentido, mas cabe às autoridades de saúde e comissões de vacinação decidir sobre isso com base em dados coletados cientificamente. Em minha opinião, no entanto, seria importante vacinar todos que querem ser vacinados primeiro e depois começar tudo de novo – essa seria uma abordagem lógica.
Com a variante de origem, foi dito inicialmente que 70% das pessoas infectadas não apresentaram sintomas. Acontece algo similar com a variante delta?
Com a variante original, cerca de dois terços das pessoas mais jovens era assintomática, e somente um terço das pessoas mais velhas também era. Não estou ciente de que isso seja diferente com a variante delta, mas a variante delta é claramente mais infecciosa. Isso significa que uma pessoa infectada transmite o vírus para uma média de seis a sete pessoas em vez de três, como era o caso inicialmente.
Christian Drostren disse recentemente que 100% da população será inevitavelmente imunizada no próximo ano e meio – seja pela vacinação ou por infecção natural. Você compartilha dessa visão?
(Drosten é um imunologista alemão cujas pesquisas focam em novos vírus. Durante a pandemia de Covid-19, ele ficou em evidência nacional como especialista nas implicações e ações necessárias para combater a doença na Alemanha).
Eu compartilho a essência de sua declaração, porque a menos que você viva em completo isolamento, muitas pessoas irão se infectar em algum momento. Em um ano e meio, poderíamos alcançar de 95% a 97% de imunidade. O que ele está realmente dizendo é: você pode escolher ser vacinado ou você muito provavelmente ficará doente em algum momento.
Por quanto tempo vamos precisar de vacinas contra o coronavírus? Somente por este ano e meio ou por muito mais tempo?
Porque a proteção da vacina declina com o tempo, há dois cenários: no primeiro, os países declaram que a incidência da infecção é secundária desde que o número de leitos de UTI seja suficiente. Nós presumimos que a vacinação proteja contra a forma severa da doença por muito tempo. Nós não sabemos por quanto tempo este ainda vai ser o caso, estamos coletando dados sobre isso. No segundo cenário, o objetivo é prevenir infecções e a doença. Isso requer que vacinações de reforço sejam realizadas com maior regularidade. Poderia haver vacinação de reforço uma vez por ano, por exemplo, na qual a vacina também seja adaptada para as atuais variantes.
Você disse em uma entrevista cerca de um ano atrás, “a cooperação é absolutamente a chave para este desafio global. Não há qualquer discussão sobre se uma vacina deva estar disponível somente para a China, Alemanha ou Estados Unidos”. O que você pensa sobre o clamor para dar a fórmula da sua vacina para países de terceiro mundo?
A receita em si não é o problema, os ingredientes estão listados na embalagem. O que é crucial é que a produção é muito complexa. Mesmo em um ambiente industrial altamente experiente, este processo leva cerca de um ano. É por isso que a primeira coisa que temos que fazer agora é tornar a vacina disponível a partir dos módulos de produção que estão atualmente funcionando em sua capacidade máxima. E vamos fazer isso funcionar. Vamos enviar um total de dois bilhões de doses nos próximos 18 meses para países de baixa e média renda apenas de nossa rede de produção com a Pfizer. Nós também querermos transferir nossa tecnologia para parceiros em quem possamos confiar, mas isso leva tempo. A produção tem que ser liberada pelas agências regulatórias. É preciso cerca de 100 testes analíticos para liberar uma vacina para garantir com confiança a sua segurança. E os padrões de qualidade devem ser os mesmos em todo o mundo.
Quantos tipos de variantes do coronavírus você já sabe que existem e quantas outras mutações mais perigosas você prevê que possam surgir?
Há inúmeras mutações. Todos que carregam o vírus carregam centenas de milhares de mutações em seus corpos, porque o vírus muda constantemente. Nós distinguimos mutações que podemos mais ou menos ignorar, aquelas que temos que observar, e as que temos que considerar muito seriamente. Temos programas de bioinformática que nos fornecem dados e nos dizem onde cada variante está surgindo. Então, sabíamos sobre a variante delta com bastante antecedência.
Mesmo antes da pandemia de corona, estavam sendo feitas pesquisas de vacinação contra o câncer usando RNA mensageiro (mRNA). Por meio do mRNA, moléculas de proteínas que são típicas de células cancerígenas são introduzidas no corpo. Desta forma, o sistema imunológico deveria aprender a reconhecer e destruir as células doentes em um estágio inicial. Você vai continuar a fazer pesquisas nessa área e como avalia as perspectivas de sucesso?
Nós já fazemos, muito intensamente. Contra o câncer, contra doenças autoimunes, contra outras doenças infecciosas. No caso do câncer, no entanto, não é uma descoberta no sentido de que, de repente, você quebra uma parede e encontra a solução, mas sim, de anos cavando até que o túnel esteja construído em meio às montanhas. Estamos indo bem, pudemos coletar dados encorajadores nos últimos anos, e até mesmo começamos estudos de fase dois. Nosso plano é submeter as primeiras vacinas contra o câncer para aprovação nos próximos anos.
O que o Rotary significa para você?
Está alinhado à nossa autoimagem: seja útil. Fundamos a Biontech com o objetivo de melhorar a saúde de muitos pacientes com as nossas inovações. E é nisso que vamos trabalhar juntos até alcançarmos nosso objetivo.
A Biontech está desenvolvendo vacina para esclerose múltipla?
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