LGBT+ no Rotary: inclusão e serviço em favor da sociedade

Por Aurea Santos, especialista em Comunicação do Rotary International

Tema que começa a ser mais discutido em muitos Rotary Clubs, a inclusão de associados e associadas da comunidade LGBT+ não é sobre promover uma causa ou mesmo sobre levantar uma bandeira. Trata-se, sim, de receber profissionais capacitados, como tantos outros que compõem nosso quadro associativo, e oferecer um ambiente no qual todos se sintam seguros para serem quem são e contribuir com todo seu conhecimento para a realização de projetos que beneficiem nossas comunidades.

Temática LGBT+ começa a ganhar mais visibilidade dentro do Rotary

Como instituição centenária que é, o Rotary foi abrindo-se lentamente às mudanças ocorridas na sociedade, levando mais de 80 anos até que as mulheres fossem admitidas como associadas. Mesmo assim, foram necessários 115 anos desde sua fundação para que víssemos a primeira mulher, Jennifer Jones, ser eleita como presidente do Rotary International.

Com a comunidade LGBT+, o processo também segue devagar, mas vem apresentando importantes progressos, como a declaração de apoio à Diversidade, Equidade e Inclusão, realizada pelo Conselho Diretor em 2019. O texto deixa claro que o Rotary é aberto a todas as pessoas, independentemente de idade, etnia, raça, cor, habilidade, religião, condição socioeconômica, cultura, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Pouco tempo antes disso, em 2018, foi criado o primeiro grupo de companheirismo da comunidade dentro da nossa organização, o Grupo de Companheirismo de Rotarianos e Amigos LGBT+.

“É um grupo dedicado a promover amizade global, serviço e educação com o objetivo de criar uma comunidade inclusiva, compreensiva e acolhedora, promovendo a boa vontade e paz e realização de um mundo que alcance justiça e igualdade fundamentais para as pessoas LGBT +”, informa sua página na internet.

O grupo conta hoje com 175 membros ao redor do mundo, cinco deles no Brasil. “Na sociedade brasileira, entre os LGBTs, a maioria é qualificada, tem estudo e, dentro do Rotary, é muito mais, a gente sabe disso. Só que essa comunidade não se vê representada dentro daquele lugar onde está”, explica o gaúcho Anderson Zerwes, que faz parte da diretoria do grupo de companheirismo.

“E aí, eu acho que a gente começa uma situação de construção e de abrir espaços para que a gente possa, de um lado, entender as necessidades para que se façam projetos concretos e que ajudem as comunidades que a gente serve e, por outro lado, se ver representado ali naquele local”, complementa.

Em entrevista ao “Vozes do Rotary”, Anderson explica com fatos e dados a importância da inclusão da comunidade LGBT+ no Rotary, e como isso está intrinsecamente ligado à realização de projetos e à prestação de serviços que a organização oferece à sociedade.

“Como é que nós vamos fazer projetos nas comunidades onde estamos inseridos se nós não conhecemos essas comunidades? À medida que a gente começa a conhecer a nossa comunidade, a gente começa a identificar grupos de vulnerabilidade, por exemplo. E quem são esses grupos de vulnerabilidade? Aqui no Brasil, a maioria deles são de pobres, negros, mulheres, pessoas com dificuldade de acessibilidade e LGBTs”, aponta.

Anderson Zerwes: “Como é que nós vamos fazer projetos nas comunidades onde estamos inseridos se nós não conhecemos essas comunidades?

Uma pesquisa apresentada por Anderson ao “Vozes”, a Skol Diálogos, realizada em 2017 pelo IBOPE a serviço da empresa de bebidas AMBEV, mostra que apenas 17% dos brasileiros se reconhecem como preconceituosos. No entanto, entre os diferentes preconceitos, a homofobia é o mais declarado, sendo reconhecido por 29% dos respondentes. Além disso, 97% dos pesquisados assumiram já terem feito ou ouvido comentários preconceituosos sobre membros da comunidade LGBT+.

E o que isso nos mostra? Isso reflete o quanto nossa sociedade não se vê como preconceituosa, mesmo que comentários e atitudes preconceituosas já tenham sido realizadas ou presenciadas por quase a totalidade da população.

“A questão da orientação sexual não é nova, mas passou a ter visibilidade nos últimos anos. Aí, dentro do Rotary, se passou a falar das questões não só de saúde, de aleitamento materno, de meio ambiente, mas também sobre incluir dentro de saúde, por exemplo, os problemas de saúde mental”, destaca Anderson.

E estes problemas não são pequenos, requerendo uma atuação séria e comprometida de organizações humanitárias, entre elas, o Rotary. “A comunidade LGBT tem índices seis vezes maiores de suicídio do que as comunidades heterossexuais. Então, é um problema de saúde. E por que é que nós nos levantamos? Porque nós somos rotarianos, nós somos seres humanos e não existe conflito quando você tem um ideal de Rotary que é trabalhar pelos direitos humanos. Não se trata de política, se trata de direitos humanos”, reforça.

Dentro dos clubes

Se, como beneficiária, a comunidade LGBT+ é um importante foco para os serviços do Rotary, dentro dos clubes, também é preciso que se abra um espaço seguro e livre de preconceitos.

Dizer que um clube aceita associados e associadas da comunidade LGBT+ desde que eles não manifestem sua orientação sexual não é oferecer este espaço, mas, sim, negar ao indivíduo seu direito de se expressar em sua totalidade e ser como ele ou ela é, de fato.

“E isso vai contra a prova quádrupla. Quando você não fala a verdade, você não consegue ir adiante nos próximos passos da prova quádrupla, pois você não está sendo verdadeiro nem consigo nem com seus próprios companheiros de clube. E a gente precisa que os companheiros de Rotary sejam a prova viva da prova quádrupla”, aponta Anderson.

Ser associado a um clube é apenas um primeiro passo para a inclusão de membros da comunidade LGBT+. Para que não levemos outros 115 anos para uma nova evolução, é preciso estarmos abertos e oferecermos as mesmas oportunidades a todos os associados.

“O que mais incomoda é quando nós não temos oportunidades de ser ouvidos ou participar de projetos, ou de assumirmos cargos dentro dos clubes”, diz Anderson.  “A fellowship (grupo de companheirismo) se coloca à disposição tanto para participar de assembleias, quanto de convenções, de reuniões de clubes e para entregar materiais de educação, porque nós temos material oficial de Rotary para que todos os clubes possam se informar e saber como tratar essa questão”, conta.

Clubes inclusivos

Criar Rotary Clubs voltados à comunidade LGBT+ não é criar clubes que não aceitem associados de fora da comunidade, mas, sim, criar clubes nos quais os membros da comunidade se sintam livres e longe de qualquer preconceito. Um clube onde todos são aceitos como são.

O americano Brian Rusch participou da fundação do primeiro Rotary Club do mundo voltado à comunidade LGBT+, o Rotary Club de San Francisco – Castro, em 2018. Ele acredita que clubes como este ajudam a fomentar a inclusão dentro da nossa organização.

“Quando começamos este clube, muitas pessoas perguntaram: ‘Por que precisamos de um clube como este?’ Acho que precisamos de clubes como o Rotary Castro porque eles representam o que acredito que o Rotary seja: uma organização verdadeiramente diversa e inclusiva. Desde que o Castro foi fundado, três outros clubes LGBTs foram fundados, o mais recente em fevereiro, lá em São Paulo”, destaca. O clube a que ele se refere é o Rotary Club Satélite de São Paulo Paraíso Diversidade Sem Fronteiras, o primeiro do tipo no Brasil e o primeiro também na América Latina.

Arthur Sanches, presidente do clube paulistano, conta que a ideia do clube que é ele seja aberto à diversidade de uma maneira ampla, acolhendo não apenas membros da comunidade LGBT+, mas outros grupos que também sofrem discriminação, como negros, pardos e mulheres.

“Nós buscamos fazer um ambiente seguro justamente por meio dessa consciência de que não há nada de especial no clube nem nada de diferente, pois o próprio Rotary International tem diretrizes muito claras sobre a diversidade. Com pouco tempo de vida, ainda não tivemos uma situação discriminatória contra o clube nem contra associados, muito pelo contrário. Tenho recebido diversos cumprimentos pela iniciativa”, aponta.

Como seu primeiro projeto, o Paraíso Diversidade Sem Fronteiras está apoiando a Casa Florescer, um centro de acolhida a mulheres transexuais e travestis. Com as doações recebidas, o clube dá início a um fundo de arrecadação para as obras de reforma, compra de toalhas, colchões e lençóis.

E, enquanto no Brasil, travestis e transexuais começam a ser beneficiárias do Rotary, a Nova Zelândia já teve a sua primeira presidente de Rotary Club transexual, Monica Mulholland. Ela presidiu o Rotary Club de Queenstown no ano rotário de 2017-18.

Para quem ainda acha que o Rotary deve se manter fiel às tradições, vale lembrar que  os costumes de 1905 já ficaram bem lá atrás e, o que vale hoje é o espírito de companheirismo, amizade e serviço que estão na base do Rotary, uma organização criada para incluir, não excluir pessoas.

“São as mulheres, a diversidade de raças, culturas, crenças, habilidades, idades e no reconhecimento de nossos irmãos e irmãs LGBT o que mantêm o Rotary relevante, e o que nos torna a organização próspera que continuamos a ser”, lembra Brian. Ou, como afirmou Paul Harris, em 1935: “Este é um mundo em mudança; nós precisamos estar preparados para mudar com ele. A história do Rotary terá que ser escrita de novo e de novo”.

Monica Mulholland: primeira presidente trans de um Rotary Club

7 respostas em “LGBT+ no Rotary: inclusão e serviço em favor da sociedade

    • Foi dado o primeiro passo para diversidade e inclusão de fato! Quebra de crença já mexe conservadorismo de muitos de nossos associados
      Isso é bom, isso é evolução! Sucesso e vamos “Servir para Transformar Vidas”

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  1. Concordo que é um assunto muito importante, trazendo a inclusão para clubes ja existentes, como tbem fundando novos clubes, onde tenhamos companheiros da comunidade LGBT+, mas que sejam com um misto de pessoas, não apenas um grupo específico.

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  2. Não vejo porque não aceitá-los desde que o perfil do novo associado se enquadre dentro das exigências estabelecidas nos Estatutos do Rotary International sejam cumpridas assim como se exige de qualquer outro convidado a fazer parte da nossa organização.

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  3. Acredito não haver necessidade de colocar a opção sexual como opção de seleção ao Rotary. Até mesmo porquê , quando se seleciona um convidado, não é destaque sua opção sexual e sim sua liderança em sua atividade. Temos que cuidar muito esta abordagem, pois talvez , da forma como está sendo conduzida e foco que está sendo dado, venha a afastar mais membros do que agregar pessoas para entrarem no Rotary. Este assunto para mim é tão irrelevante que considero perda de tempo a discussão no RI. O que vale é a pessoa e o que ela pode agregar com seu trabalho na comunidade. Fica aqui uma pergunta, no seu clube atual, você conhece e tem certeza da opção sexual de todos seus companheiros? Faça uma reflexão sobre isto e veja qual a importância e relevância disto no clube a que você pertence hoje? E entendo que nenhuma.

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    • Infelizmente estamos muito longe de tornar isso uma verdade.

      Quando alguém toma ciência da opção sexual de alguém, que não seja hétero cis, o comportamento muda. O tratamento muda.

      É necessário discutir porque o preconceito é real. Se o Rotary não melhorar essa questão, perderá mais e mais associados.

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